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Para além dos muros

Uma escola municipal no centro da maior favela de São Paulo prova que a educação tradicional não é mais a melhor opção.

A sala do quinto ano estava barulhenta quando o grupo de pedagogos que visitava a escola municipal Campos Salles na comunidade de Heliópolis chegou para conhecer os alunos. Anaílton, um menino magro e alto do sétimo ano, escolhido como Secretário de Cidadania e guia do grupo, instruiu os visitantes a passearem pelas mesas quadradas de quatro lugares em que os alunos de em média nove anos resolviam o roteiro do dia.

“Hoje o roteiro é sobre a importância da água”, contaram Kaique e Samuel, que disputavam a atenção de alguns dos ouvintes mais velhos. Ao lado dos meninos, Tainá e Camila observavam a cena e pediam aos amigos que falassem mais baixo.

Samuel conta que eles podem escolher o próprio lugar, desde que não conversem. São cerca de 100 alunos na sala, com quatro professores orientando, e o barulho é grande. “Assim é legal, porque a gente fica se ajudando”, diz.

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Na mesa perto da entrada, Guilherme fica animado com a atenção e conta que sempre aparecem pessoas perguntando sobre a escola e o funcionamento das aulas. Explica que além das atividades na sala, estavam se empenhando durante aquela semana em conhecer as árvores ao redor da escola: “Têm três pés de goiaba e tem de mexerica também”. Oferece um dos gominhos que estava chupando e se distrai com o colega, Wesley, que conta sobre o campeonato de futebol que teria a final disputada logo em seguida.

Anaílton avisou que era hora de deixá-los se concentrarem e o passeio continuou pelos corredores coloridos com os trabalhos dos alunos. No portal da entrada, um grande painel vermelho exclamava “Violência NÃO” e pontuava com desenhos que ali não se aceitam homofobia nem racismo.

A comunidade de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, abriga cerca de 200 mil famílias, segundo dados levantados pela União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas), e a Campos Salles foi a escola em que caiu de paraquedas o diretor Braz Nogueira. Com ajuda de lideranças da localidade e o esforço de outros professores que compraram sua ideia, implementou em 2005 um método de ensino baseado na autonomia das crianças. “Não existe mágica. A solução sempre vira contradição, mas quando chamei esses 15 apaixonados e perguntei o que achariam se eu derrubasse as paredes das salas de aula, vi que tinha chance de estar acertando.” Os resultados foram tão bons que a escola não só recebe patrocínios de empresas como a Rexona e a Votorantim como tem seus alunos convidados a palestrarem em outras instituições.

Braz reclama que é o único que não aparece na internet falando. “Vi ontem a Nicole no YouTube. De mim ninguém quer saber”, brinca. Nicole, aluna do sétimo ano, é a prefeita da escola. Foi eleita por seus colegas e é a responsável em dar o veredito final a alguma medida que os alunos sugerirem. Pode escolher quatro secretários que, por sua vez, puderam escolher dois assessores.

Anaílton, o guia do grupo, foi escolhido por Nicole como Secretário de Cidadania por conta de sua habilidade em lidar com diferentes tipos de personalidades. “Chamei ele porque sou um pouco esquentada e sei que ele é muito calmo. É impressionante o jeito que ele fala com todo mundo. Sempre dá um jeito de incluir.”

Anaílton se envergonha e diz que sempre tenta achar a melhor solução para todos. O menino pôde ser escolhido por Nicole porque fazia parte da Comissão da sua sala, um grupo de entre oito a doze alunos que são os árbitros das aulas. Quando algum aluno faz algo que não devia, a Comissão é quem se reúne para decidir quais medidas tomar. A princípio, sentam e conversam com o colega. Se não funcionar, os pais são chamados para uma conversa com os próprios alunos. “É surpreendentemente eficaz”, conta Amélia Fernandez, coordenadora do Fundamental II, “já vi pais que saiam gritando da diretoria se emocionarem com o posicionamento das crianças”.

O posicionamento também ocorre quando descobrem que um colega está se envolvendo com algum tipo de droga, problema de muitas escolas brasileiras, e não somente das públicas. “A gente pega no pé. ‘Que cê tava fazendo com o fulano ontem?’. E tentamos incluir”, conta Anaílton. Para Amélia, o fundamental é que a abordagem não seja acusatória: “Desse jeito, só afastamos ainda mais a criança. Diálogo é sempre melhor”.

Para Braz, a escola tem muito ainda o que melhorar. Os planos pedem que, nos próximos anos, o sistema de séries seja abolido e que os professores que caírem por ali fiquem por amor. Quando perguntado sobre os desafios de derrubar um sistema de ensino tão antigo e cômodo aos brasileiros, o diretor explica: “Meu sonho é que um dia todas as escolas do Brasil sejam como aqui. Mas para isso acontecer, alguém tinha que começar”.

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